Introdução:
A sedação é um procedimento médico corriqueiro e popular. Inúmeros vídeos de pessoas sedadas inundam as redes sociais. Quem nunca assistiu alguém sob efeito de sedativos agindo ou falando de forma constrangedora com familiares? Embora cômico no mundo virtual, na prática, é preocupante.
Quando se trata da própria saúde, alguns questionamentos naturalmente surgem: Seria este procedimento seguro? Devo permitir que alguém injete um sedativo em mim? Serei o próximo a ser exposto ao ridículo perante meus familiares?
Este artigo busca esclarecer estas e outras pertinentes dúvidas. Esta é uma iniciativa da Sociedade de Anestesiologia do Estado de Santa Catarina. Todo o conteúdo foi redigido e revisado por especialistas em sedação. Nosso objetivo é fornecer informações fidedignas e acessíveis para que o leitor não médico tenha lucidez quanto aos benefícios e riscos do procedimento. Além disto, são explicados os cuidados necessários para a segurança antes e após a sedação.
- O que é sedação?
A sedação é um estado de consciência alterado pelo uso de medicamentos. O Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução n.º 1.670/03, define legalmente a sedação como “ato médico realizado mediante a utilização de medicamentos com o objetivo de proporcionar conforto ao paciente para a realização de procedimentos médicos ou odontológicos”. 1 De forma pragmática, a sedação é o uso de fármacos para tranquilizar suficientemente o paciente durante a realização de alguma intervenção médica ou odontológica.
- Sedação e anestesia geral são a mesma coisa?
Sedação e anestesia geral não são a mesma coisa. Ambos são procedimentos médicos que reduzem o nível de consciência do paciente. Todavia, a anestesia geral engloba um estado mais profundo de inconsciência, associada a alterações de funções vitais do corpo humano.
A depender do nível de redução da consciência, existem níveis de sedação:
- Sedação leve: Nível mais superficial. O paciente se mantém tranquilo com pouco comprometimento de suas capacidades cognitivas.
- Sedação moderada: Neste nível, há redução na capacidade de responder a estímulos sonoros. Pode ser necessário um chamado vigoroso ou um toque gentil para obter uma resposta do paciente. É conhecido popularmente como “sedação consciente”.
- Sedação profunda: Este é o último nível de sedação. Há redução importante da resposta a estímulos táteis, obtendo-se resposta do paciente apenas de forma vigorosa. É possível que a capacidade de respiração esteja reduzida.
- Anestesia geral: A partir deste ponto, o paciente não é acordado mesmo se estimulado de forma vigorosa. Há necessidade de auxílio para respiração e podem ser necessárias medidas para manter o funcionamento adequado do sistema cardiovascular. Ou seja, pode haver comprometimento de sinais vitais, como pressão arterial e frequência cardíaca.
- Qualquer profissional pode realizar a sedação?
Não. A sedação não pode ser realizada por qualquer profissional. A sedação é um procedimento dinâmico e delicado. Há uma variação muito grande na resposta aos medicamentos entre os pacientes. Além disto, existem inúmeros fármacos disponíveis no arsenal terapêutico. Não há uma receita de bolo a ser seguida. Todo o procedimento deve ser personalizado ao organismo do paciente em questão.
O nível de inconsciência pode aumentar de forma muito rápida, e podem ser necessárias intervenções especializadas para manter o funcionamento correto do corpo humano. Dessarte, é imprescindível que este procedimento seja feito por profissionais qualificados. No Brasil, a Resolução n.º 2174/2017, explicita que “a sedação/analgesia seja realizada por médicos, preferencialmente anestesistas (…)”3. Tal medida visa “(…) à redução de riscos e ao aumento da segurança (…)”3.
Além da questão técnica, é importante enfatizar a necessidade de ética profissional. O Código de Ética Médica, veda aos médicos “tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.”4. Assim sendo, nenhum paciente é exposto a situação constrangedora quando sob efeito de sedativos.
Antes de permitir que alguém administre algum medicamento sedativo em teu corpo, te certifiques de que este alguém é habilitado a exercer esta função. Não fiques na mão de pessoas que não tem condições técnicas para resolver eventuais complicações do procedimento. Ademais, confies apenas em profissionais que possuem valores éticos bem estabelecidos para te tratarem com o devido respeito quando em situação de vulnerabilidade.
- Como é feito o procedimento?
A sedação pode ser realizada em clínicas ou hospitais, a depender de avaliação médica prévia. Em ambos os cenários, o paciente é levado à sala de procedimento cirúrgico ou diagnóstico e monitores de sinais vitais são posicionados sobre o corpo. Dispositivos pode ser instalados sobre o rosto para fornecer oxigênio. A depender da situação, medicamentos são administrados diretamente em uma veia ou musculo, ou via máscara facial para inalação.
Após o fim do procedimento cirúrgico ou diagnóstico, o paciente é transportado a uma sala para recuperação. Neste ambiente, o paciente permanece até que recupere suas capacidades cognitivas prévias. A depender da situação, o paciente é posteriormente liberado para casa ou para quarto de internação hospitalar.
- O que eu vou sentir durante a sedação?
De forma geral, os medicamentos sedativos geram uma sensação de sonolência. Eventualmente, tontura e tosse podem ocorrer. Em caso de administração de medicamentos por via venosa, há necessidade de punção de veia com agulha, causando desconforto transitório. Alguns fármacos podem causar dor transitória no local de acesso venoso. Se empregados sedativos inalatórios, odor desagradável pode ser transitoriamente sentido.
A depender do procedimento cirúrgico ou diagnóstico, são conjuntamente combinados com o paciente qual o nível mais adequado de sedação. Conforme explicado anteriormente, tal nível de sedação ditará a profundidade do sono durante o procedimento.
- Quais os benefícios da sedação?
A sedação apresenta uma série de benefícios ao paciente, dentre os quais:
- Conforto e tranquilidade durante procedimento médico ou odontológico;
- Recuperação rápida após o procedimento;
- Evita uso de dispositivos invasivos para monitorar sinais vitais;
- Evita manipulação de vias aéreas com dispositivos invasivos, tais como tubo orotraqueais (famosa “intubação”);
- É adaptável ao perfil do paciente, podendo ser personalizada durante o procedimento;
- Reduz a dor do procedimento.
- Quais os riscos da sedação?
Nenhum procedimento médico é isento de riscos ou complicações. No caso da sedação, os principais são:
- Dor e desconforto na punção de acesso venoso, se necessário;
- Reação alérgica aos sedativos;
- Necessidade de conversão para anestesia geral por nível de inconsciência insuficiente para o estímulo doloroso do procedimento proposto;
- Queda dos sinais vitais, tais como pressão arterial, frequência cardíaca e saturação arterial de oxigênio;
- Entrada inadvertida de conteúdo estomacal nos pulmões, causando lesão grave conhecido como “broncoaspiração”.
A fim de evitar tais complicações, é essencial que o paciente esteja bem orientado quanto aos cuidados antes da sedação. Também é importante que a sedação seja realizada por profissional competente e qualificado para o devido manejo das adversidades.
- Posso me tornar um viciado em drogas após uma sedação?
Não te preocupes! O vício em drogas envolve dimensões biopsicossociais e farmacológicas mais abrangentes que o uso pontual de um medicamento. Ser submetido a uma sedação não causará nenhum transtorno relacionado ao uso de drogas. Em caso de uso prévio de drogas, converses antes do procedimento com teu médico.
- Quais os cuidados antes da sedação?
Antes da sedação, é importante que o paciente esteja ciente e bem esclarecido quanto ao procedimento que irá realizar. Preferencialmente, deve haver uma avaliação prévia com o anestesiologista para combinar o nível mais apropriado de sedação e receber orientações pessoalmente.
Em termos gerais, as principais recomendações incluem:
- Jejum: É necessário ao menos 6 horas de jejum para alimentos sólidos e 2 horas de jejum para líquidos sem resíduos. O jejum evita a ocorrência de broncoaspiração. O jejum é diferenciado em caso de crianças pequenas;
- Retirada de adornos e próteses: Brincos, anéis, colares, dentaduras e afins devem ser removidos antes do procedimento.
- Combines com alguém de confiança para cuidar de ti durante o procedimento;
- Em caso de doença nova, gestação ou amamentação, informes ao médico anestesista com antecedência. O procedimento pode ser reagendado por segurança.
- Posso voltar para casa no mesmo dia?
Em casos eletivos, provenientes do lar apenas para a realização do procedimento, não há impeditivos para retorno ao lar no mesmo dia a priori. A situação é diferente para procedimentos realizados em caráter emergencial, envolvendo pacientes internados ou em estados graves de Saúde.
Uma vez recuperada a cognição prévia ao procedimento, o paciente, na situação acima descrita, poderia retornar ao lar. Para segurança neste dia, alguns cuidados devem ser tomados:
- Não dirijas! Embora acordado, teus reflexos podem não estar acurados. Solicite que o acompanhante se encarregue do transporte. Em caso de crianças, é importante a presença de um acompanhante para o transporte e outro exclusivamente responsável pelos cuidados com a criança;
- Não tomes nenhuma decisão importante. Uma vez que tua cognição podes estar ainda pouco alterada, evite assinar documentos, realizar compras ou quaisquer atos similares;
- Programe-se para descansar o resto do dia. Não é um dia para atividades laborais;
- Não uses redes sociais neste dia;
- Em caso de mal-estar ou qualquer desconforto, comunique ao médico responsável pelo procedimento.
Referencias
- Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.670/2003. Brasília: CFM; 2003. p. 78.
- American Society of Anesthesiologists. Committee on Quality Management and Departmental Administration. Statement on Continuum of Depth of Sedation: Definition of General Anesthesia and Levels of Sedation/Analgesia. Schaumburg, IL: 2024.
- Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.174/2017. Brasília: CFM; 2017.
- Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica: Resolução CFM nº 2.217/2018. Brasília: CFM; 2019. p 25.
Pedro Gabriel Dotto – CRM SC 34127
Patrícia Grobe – CRM 25451 | RQE 20020