Anestesia Espinhal

A Anestesia Espinhal é uma técnica amplamente utilizada no dia a dia dos centros cirúrgicos. Entretanto, ainda assim, muita gente tem dúvida em relação ao procedimento.

Se você vai realizar uma cirurgia abdominal ou abaixo da linha do abdome, há uma grande chance de você se submeter a esse tipo de anestesia. Abaixo tentaremos esclarecer os principais pontos e dúvidas.


1. Como ela funciona?

A anestesia espinhal – simplificadamente – é a injeção de medicamento dentro do canal medular. O canal medular é como um invólucro cheio de líquido, e ele trafega desde de nosso crânio em direção ao nosso coccix, passando através de nossas vértebras na chamada coluna vertebral.

É dentro deste espaço cheio de líquido que o anestesista pretende chegar através de sua punção. Lá dentro é aplicada a medicação. Quando esta infiltra no tecido nervoso – ou seja na medula e seus ramos – a consequência é a interrupção de estímulos a partir daquele ponto. Daquela altura para baixo nenhuma ordem motora do cérebro pode mais chegar; ao passo que todo estímulo doloroso causado ao nosso corpo também será bloqueado, de forma que o paciente não sinta nada. 

E também não mova nada: pois daquele ponto em diante o corpo paralisa, relaxa e o paciente não vai conseguir mover as pernas. Seu efeito dura não mais que algumas poucas horas.  Antes de tudo isso, é importantante frisar, que há um preparo com medicações que acalmam e adormecem o paciente, para que ele durma e fique confortável nessa situação atípica. Este procedimento chamamos de sedação.


2. Na prática como ela é realizada?

O primeiro passo é monitorizar o paciente que entra em sala. É realizada aferição de pressão, são colados eletrodos no tórax para visualização do ritmo cardíaco, e um oxímetro é colocado na ponta de um dos dedos para vermos quanto há de oxigênio circulante no sangue desta pessoa.

Depois disso, é puncionada uma veia e podemos realizar a medicação sedativa, , calmante, para o paciente ficar bem confortável. Entretanto, é importante salientar que nem sempre é possível realizar a sedação (em cesarianas por exemplo não podemos deixar que ao nascer o bebê esteja “dormindo” e esse tipo de medicação em sua maioria atravessam a barreira placentária).

Após isso, com a ajuda da equipe em sala o paciente é sentado na mesa cirúrgica, é feita a assepsia em sua região lombar, e com o material previamente já preparado o anestesista palpa e realiza a punção. Em alguns casos – como em pessoas obesas ou com problemas na coluna – pode ser necessária mais de uma tentativa de punção até que o médico anestesista atinja o saco medular. Quando ele vê correndo pela sua agulha o líquido que citamos acima – o líquor, tem-se o indicativo de que ali deve ser infiltrado o medicamento. Ele então acopla  a seringa com a medicação anestésica e a empurra com o êmbolo para dentro do canal medular. Após isso o paciente é deitado. 

Em aguns segundos o paciente começa a ter alteração de sensibilidade nos pés e ela vai subindo pelas pernas até a altura necessária para a realização da cirurgia. Por último o paciente para de mover os dedos do pé, e mais adiante para de mover as coxas.

Neste momento, é comum que o médico anestesista desperte o paciente sedado para testar a anestesia. Com um líquido gelado o profissional toca as pernas do doente e pede que ele as erga. Se houver alteração sensitiva e motora, é sinal que a anestesia está se instalando de maneira adequada.

Acima, descrevemos a raquianestesia, técnica mais utilizada nos dias de hoje. A técnica peridural tem algumas particularidades, como por exemplo, sua agulha é de maior calibre e o médico precisa anestesiar a pele antes de introduzi-la. A técnica peridural instila a medicação nas raízes nervosas emergindo do saco medular, loco apenas aquelas raízes são anestesiadas, o que confere ao procedimento um caráter segmentar em seus efeitos – apenas uma faixa específica do corpo é anestesiada. A vantagem deste técnica é conseguir uma anestesia mais alvo direcionada, sem repercussões nas pernas por exemplo ao se tratar de uma cirurgia abdominal  por exemplo. Sua desvantagem é a dificuldade técnica, já que instilar a medicação nesse espaço peridural requer maior precisão de punção – ao passo que entrar no canal medular com a agulha e instilar a medicação somente onde houver refluxo de líquor confere maior taxa de sucesso à anestesia.


3. Quais os riscos? 

Muitas pessoas pensam que a anestesia espinhal é um procedimento doloroso, entretanto a experiência prática nos mostra o contrário. Muitos paciente não podem ser sedados para receberem a anestesia – como ocorre nas cesarianas – e mesmo assim há excelente tolerabilidade. O calibre da agulha usada para a raquianestesia é cerca de 03 vezes menor que o calibre de um abocath para puncionar uma veia. Além disso, a pele da região lombar, é uma  região com pouca sensibilidade quando a comparamos comos os braços por exemplo.

Outras pessoas pensam que há o risco de ficar paraplégico ou tetraplégico já que tal procedimento envolve a coluna vetebral e a medula nervosa. Esse risco é muito baixo, e por mais tentativas que o profissional precise fazer para concluir a anestesia esse risco de lesão nervosa direta segue sendo muito baixo.

Quando a pessoa recebe a anestesia espinhal, o tecido do sistema nervoso autônomo simpático, tecido este responsável por nos manter em função de luta ou fuga, também é anestesiado e disso decorre o risco do paciente ter uma queda de pressão arterial. Este evento entretanto sempre é considerado pelo médico anestesiologista antes de propor a anestesia. De tal modo o profesisonal já está preparado para usar drogas vasopressoras caso haja necessidade de corrigir a pressão arterial. Além disso, o profissional experiente é capaz de ajustar finamentea dose de anestésico para a cirurgia a ser realizada, de forma que  tal intercorrência não ocorra ou ocorra de maneira branda.

Assim, no caso de cirurgias que possam esperar – as chamadas cirurgias eletivas – é muito importante sempre consultar com um médico anestesiologista previamente. Através das informações coletadas nesta consulta será possível escolher a técnica anestésica mais adequada para a cirurgia proposta a cada paciente – mitigando riscos desnecessários e conferindo um maior sucesso e satisfação de nossos pacientes.


4. Quais os benefícios?

Os benefícios da anestesia espinhal são inúmeros. Sua versatilidade, baixa taxa de complicação, anestesia direta ao tecido medular e suas raízes nervosas, garantem tranquilidade ao paciente, ao médico anestesiologista e ao cirurgião – que ao operar encontrará um paciente com a musculatura relaxada, diminuindo sangramentos e outras complicações.

Entre os pacientes percebemos na prática uma “preferência”  (com muitas aspas) pela anestesia geral do que pela raquianestesia, entretanto isso é consequência de uma grande confusão de conceitos. Os pacientes anseiam estar dormindo durante o procedimento, não querem estar conscientes do ato cirúrgico ou preocuoparem com tal ansiedade, e por isso muitas vezes demandam na consulta pré-anétesica pela “anestesia geral”.  A anestesia geral entretanto inibe quase todas as funções vitais do corpo, incluindo a respiratória. Sob anestesia geral o paciente precisará de suporte em ventilação mecânica por exemplo. Pelo fato da anestesia espinhal conferir anestesia e condição cirúrgica em segmentos específicos do corpo (e não no cérebro como um todo) menos intervenções médicas são necessárias. Sendo a questão da incosciência, do sono, ou da hipnose (termo técnico utilizado no mundo da anestesiologia) podendo ser garantida através da sedação, com doses muito menores de medicação. Assim, aliando a anestesia espinhal à sedação, o médico anestesiologista consegue satisfazer o desejo do paciente de não perceber o ato cirúrgico, sem expô-lo a riscos desnecessários. Recobrar a consciência de maneira plena implica em uma recuperação plena, e uma alta hospitalar mais breve também. 

Por fim, um grande benefício da anestesia espinhal é o controle da dor tanto no período intra-operatório quanto pós-operatório, conseguido de maneira mais completa quando comparado a anestésicos pela via endovenosa somente, por proporcionar bloqueio dos impulsos nervosos a nível medular. 


Autor: Dr. Thiago Ribas – CRM/SC: 30923