Anestesia e Obesidade

Se você escolheu esta sessão, está buscando saber mais sobre a relação entre a anestesia o seu peso.

Portanto, nesta sessão iremos discutir e tirar algumas das dúvidas mais comuns sobre a temática, onde abordaremos, principalmente, a obesidade, em função de sua maior relevância do ponto de vista epidemiológico. Falaremos sobre os riscos associados à anestesia, condições médicas comuns, práticas para redução dos riscos e o que esperar da anestesia nestes pacientes.

Primeiramente, é importante salientar que é de conhecimento médico geral a suscetibilidade do indivíduo obeso a ser vítima de estereótipos e, por isso, gostaríamos de lembrar que o objetivo da discussão deste tema é informar e educar pacientes de maneira que possam tomar maior consciência do processo e, deste modo, tornem-se mais envolvidos na tomada de decisão a respeito do seu cuidado. Tudo isso na busca de uma melhor relação médico-paciente, manejo de expectativas, diminuição da ansiedade ou medo e do comprometimento com os melhores resultados possíveis. 

Vale destacar que os médicos anestesistas são amplamente treinados para fornecer o melhor cuidado para todos, da forma mais humanizada e acolhedora possível, e que, independentemente de sua condição, você deve ser tratado com zelo, atenção e respeito na busca de sua saúde e bem-estar.

Agora, entraremos no momento da discussão das condutas anestésicas e dos seus riscos no paciente obeso.


IMPLICAÇÕES ANESTÉSICAS NO PACIENTE OBESO

  • Acesso venoso: o acesso venoso pode representar um desafio devido à anatomia alterada e ao aumento do tecido adiposo, fatores que podem dificultar a visualização e a palpação das veias. Por essa razão, a utilização de dispositivos complementares, como o ultrassom, é altamente recomendada para facilitar a canulação venosa. Além disso, a escolha do local de inserção deve ser cuidadosamente considerada, afinal, veias mais profundas, na técnica de acessos venosos centrais, como a veia jugular interna, podem ser preferidas em casos de maior dificuldade de acessos periféricos.
  • Anestesia Raquidiana: a raquianestesia requer considerações específicas, à vista de alterações anatômicas e do aumento do tecido adiposo, que podem causar “desvios” na coluna vertebral, bem como dificultar o processo de palpação dos espaços intervertebrais, o que resulta na possibilidade de uma maior dificuldade técnica e em um maior número de tentativas até o acesso ao espaço subaracnóideo. Para aprimorar essa prática, é importante avaliar o melhor posicionamento possível, além de lançar mão do uso do ultrassom para aumentar a acurácia na localização do espaço intervertebral e, consequentemente, propiciar um maior conforto ao paciente.
  • Monitorização da Pressão Arterial: durante o cuidado perioperatório, é de suma importância a conferência da pressão arterial com fidelidade. Na mesma linha dos tópicos anteriores, a alteração anatômica e o aumento do tecido adiposo podem levar a dificuldades nesta prática. Portanto, é importante avaliar as características individuais do paciente e da cirurgia para poder optar pelo melhor método de aferição, seja pelo uso da pressão arterial invasiva, através da canulação de uma artéria, seja pelo uso do manguito adequado ao tamanho da circunferência do braço do paciente. Outra maneira, mais informal, seria a do reposicionamento do manguito, quando na impossibilidade da aferição no braço, alocando-o, por exemplo, no antebraço. Ainda dispomos de outros métodos que estão em estudo, e tecnologias inovadoras que têm mostrado resultados promissores. Exemplos disso são as metodologias não invasivas, como o sistema CNAP, que usa a técnica do descarregamento vascular para mensurar a pressão arterial, ou mesmo o tonômetro de aplanação. 
  • Manejo das vias aéreas: a intubação sempre é um evento singular e, nestes casos, requer considerações específicas relacionadas a alterações anatômicas e fisiológicas. No paciente obeso, a abertura oral, a extensão e a mobilidade cervical podem estar diminuídas, bem como a tolerância à apneia. Deste modo, torna-se essencial o preparo organizado da sala para este procedimento, onde é necessário zelo com o planejamento para uma via aérea provavelmente difícil. Isso inclui separar materiais como o videolaringoscópio, broncoscópio, máscaras laríngeas, considerar intubação desperta e promover posicionamentos que aumentem o tempo de apneia segura, como a elevação do dorso. Entretanto, isso não é tudo, pois após a intubação, surgem outros pormenores: a ventilação mecânica e a vindoura extubação do paciente. A ventilação deve ser feita com minuciosa análise das pressões exercidas sobre as vias aéreas e sob o jugo de uma ventilação protetora, a fim de evitar atelectasias ou danos ao tecido pulmonar. Já a extubação, entre outras circunstâncias, deve ser feita com cautela e sob a certeza da reversão completa do bloqueio neuromuscular.
  • Drogas anestésicas: as drogas anestésicas necessitam de atenção especial devido a alterações na maneira que o fármaco age e interage com organismo do indivíduo obeso. Desta forma, a dosagem dos medicamentos pode ser alterada, uma vez que o uso do peso corporal total pode levar à superdosagem, enquanto o uso do peso corporal ideal pode levar a uma dose subterapêutica. Como resultado disso, uma estratégia usada é a admnistração da droga mediante o cálculo do peso corporal magro. Por outro lado, incluem-se cuidados extras como o uso de drogas com períodos de ação mais curtos e menos lipofílicas, ou seja, “menos solúveis em gordura”, para evitar as potenciais complicações perioperatórias.


RECUPERAÇÃO PÓS-ANESTÉSICA


Neste ponto, após termos visto como a anestesia pode adquirir particularidades de acordo com o peso do paciente, vamos conversar um pouco sobre como o peso pode influenciar na sua recuperação.

A recuperação pós-anestésica do paciente obeso será diferente não só devido ao que já discutimos, como também por uma série de comorbidades relacionadas à obesidade. Vamos analisar algumas delas:

  • Apneia obstrutiva do sono: a apneia obstrutiva do sono, além de dificultar processos anestésicos como indução para anestesia geral e sedação, pode prejudicar a recuperação do paciente, devido ao aumento da pressão nas vias aéreas, o que pode levar a atelectasias e complicações como a pneumonia.
  • Hipertensão: a hipertensão no paciente obeso tende a ser de controle dificultoso. Como vimos, a própria mensuração adequada da pressão arterial pode ser afetada e, em decorrência disso, um controle menos preciso deste parâmetro poderá expor o paciente a sangramentos intra e pós-operatórios mais importantes. Nessa mesma lógica, a hipertensão tornará o paciente mais suscetível a eventos cardiovasculares ou cerebrovasculares maiores, como o infarto agudo do miocárdio ou o acidente vascular encefálico, respectivamente.
  • Diabetes Mellitus: outra doença altamente relacionada à obesidade é o diabetes, que, por sua vez, já possui um fator bem conhecido no imaginário popular: a “dificuldade de cicatrização”. Isso ocorre em virtude da neuropatia periférica causada pelo diabetes, bem como a disfunções imunológicas e vasculares causadas pela hiperglicemia crônica. Esta, por sua vez, gera um estado de inflamação crônica, que dificulta a recuperação, uma vez que danifica a matriz extracelular. No paciente diabético, há uma alteração no funcionamento celular de fibroblastos e macrófagos, o que impede a transição da ferida da fase inflamatória para a fase de cicatrização, tornando o processo mais lento. De maneira mais direta, isso pode levar a casos como deiscências da ferida operatória, que podem exigir múltiplas abordagens cirúrgicas, levando a um aumento do trauma cirúrgico.
  • Doenças vasculares: alterações na microvasculatura do paciente obeso acabam dificultando a entrega de oxigênio aos tecidos. Ao analisar isso, vemos também que o aumento da resistência vascular periférica, exige maior força de contratilidade cardíaca, o que demanda maior consumo de oxigênio. Esses fatores predispõem a maior probabilidade de desfechos como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico, o popular “AVC”. Soma-se a isso, que a obesidade também está relacionada à fibrilação atrial pós-operatória, que é um tipo de arritmia capaz de levar à formação de trombos e, por conseguinte, a infartos de diversos órgãos.


MANEJO DOS RISCOS

Agora que já falamos sobre como a obesidade e suas comorbidades relacionadas podem afetar a anestesia e o ato cirúrgico, iremos discutir como manejar os riscos e como o paciente pode engajar-se para melhorar seus desfechos cirúrgicos.

A estratégia de cuidado voltada para perda e controle do peso certamente é desafiadora e, por efeito disso, multidisciplinar. Acrescenta-se a isso, a importância do estabelecimento de metas realistas, como no uso do conceito de obesidade controlada, que tem demonstrado resultados promissores em estudos recentes, pois resulta em maior adesão ao tratamento. 

Com metas atingíveis e o alinhamento de diferentes profissionais em um esforço contínuo e coordenado com o paciente, que é o ator principal desta peça, o conforto, aumento de qualidade de vida e a obtenção de um ato cirúrgico-anestésico mais seguro são realizáveis. Em vista disso, percebemos a importância do paciente obter ricas informações dos atos médicos para, de maneira consciente, segura e envolvida tomar suas decisões.


O QUE ESPERAR DA ANESTESIA

Para finalizar nossa conversa, vamos abordar o que você pode esperar da sua anestesia. 

O anestesista, ao considerar tudo o que neste artigo foi discutido, irá dedicar-se a realizar um atendimento particularizado para o seu caso. Isso inclui uma consulta pré-anestésica voltada a identificar potenciais agravos, como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares ou apneia obstrutiva do sono, valendo-se de questionários e escores, como o STOP-Bang ou o Escore de Lee.

A gestão anestésica será cuidadosamente planejada, incluindo a dosagem dos fármacos e estratégias poupadoras de opioides, como anestesias regionais. Serão priorizadas drogas menos lipofílicas e de ação curta. Aparelhos e dispositivos complementares serão providenciados para facilitar os procedimentos, além de parâmetros ventilatórios protetores e posicionamento adequado durante a cirurgia. Tudo será feito com a monitorização correta, organização, técnica, dedicação e estudo, de maneira que sua máxima segurança seja atingida, junto com o melhor desfecho possível para o seu cuidado.

Autor: Dr. Bráulio Trebien Naue – CRM/SC: 28263